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SÍNDROME DE WILLIAMS
     Miguel Palha – Pediatra do Desenvolvimento
1    Centro de Desenvolvimento Infantil DIFERENÇAS




    A Mónica, quando nasceu, esteve internada, mais de quinze dias, na Unidade de
    Recém-Nascidos de um Hospital dos arredores de Lisboa. Foi descoberta uma
    elevação do cálcio no sangue, sem se perceber a razão. Já em pequena era
    muito simpática. Falou um pouco tarde e tinha um ar muito franzino, com uma
    boca grande, as bochechas salientes e um queixo pequenino. Diziam que se
    parecia com um duende.

    Havia, na Mónica, qualquer coisa de diferente. Aos dois anos, o pediatra
    detectou um sopro no coração e o cardiologista que a observou identificou a
    causa de todas estas alterações: a síndrome de Williams.

    A Mónica tem dificuldades na área motora, sobretudo na coordenação das mãos.
    E a percepção visual também está comprometida, o que a faz ter dificuldades
    quando anda sobre superfícies instáveis. Já no que diz respeito à linguagem, o
    seu desempenho é razoável, com capacidades expressivas muito boas. Todavia,
    o seu discurso baseia-se, muitas vezes, em frases feitas, muito formais, nem
    sempre bem adaptadas às circunstâncias específicas de cada situação (os
    especialistas dizem que são perturbações semântico-pragmáticas).

    O Pediatra do Desenvolvimento que observou a Mónica na Malveira fez um
    diagnóstico de défice intelectual ligeiro e desenhou um programa de intervenção
    muito complexo. Hoje, a Mónica tem dez anos, está no quarto ano, lê e interpreta
    bem, e tem algumas dificuldades no cálculo. A Mónica quer ser Educadora. Os
    colegas adoram-na e, lá na escola, até foi eleita Miss Simpatia.


    Em 1958, o pediatra M. C. Joseph descreveu um caso de uma criança com
    "face de duende" associada a hipercalcémia infantil grave (cálcio no sangue
    bastante acima do que é normal para as crianças).

    Mas o síndrome de Williams deve o seu nome à descrição, pelo reputado
    pediatra J. C. P. Williams e pelos seus colaboradores, em 1961, de quatro
    casos clínicos em que se associava uma doença cardíaca congénita muito
    específica (a estenose aórtica supra-valvular, ou seja, grosseiramente, um
    aperto da artéria aorta logo na sua porção inicial), um défice cognitivo
    (impropriamente designado por atraso mental) e uma face peculiar.

    Na sequência de estudos efectuados muito recentemente, parece que na
    origem desta doença se poderá encontrar uma perturbação de um gene,
    localizado no cromossoma 7 (7q11.23). É uma doença genética de transmissão
    autossómica dominante (nestes casos, basta que haja uma alteração, mesmo
    que ínfima, num cromossoma, quer ele seja oriundo do pai ou da mãe, para
    que a doença se manifeste; ou, por outras palavras, um único gene mutante é
    suficiente para produzir a doença, ao contrário do que acontece nas doenças
    autossómicas recessivas em que dois genes devem estar alterados). No
    entanto, a grande maioria dos casos corresponde a uma mutação (alteração)
    de novo e não a uma transmissão da doença pelos pais. Teoricamente, uma
    pessoa com síndrome de Williams tem a probabilidade de transmitir a sua
    doença a 50% da sua prole.




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SÍNDROME DE WILLIAMS
     Miguel Palha – Pediatra do Desenvolvimento
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    A sua prevalência (número de casos/número de habitantes) é estimada entre
    1/10.000 e 1/50.000, sem preferências por qualquer dos sexos.

    A história natural do síndrome de Williams tem sido melhor esclarecida nos
    últimos anos, revelando-se uma doença progressiva e multi-orgânica (atinge
    vários órgãos); por outro lado, há uma tendência para se reduzir a importância
    atribuída, no pretérito, à hipercalcémia, frequentemente ausente do quadro
    clínico. Estão também melhor estudadas as perturbações do Desenvolvimento
    Psicomotor, mormente na área comportamental e emocional, muito específicas
    desta doença, e que condicionam, pelo menos em parte, algumas das
    dificuldades na integração social, sobretudo na idade adulta.

    As características do síndrome de Williams mais constantes e que servem de
    base ao diagnóstico são:
    a) A face peculiar, dita de "duende"; a face típica só está estabelecida, em
    média, pelos 18 meses e é definida, essencialmente, por: testa larga, região
    peri-orbitária (à volta dos ossos onde estão alojados os olhos) proeminente,
    espessamento da zona mediana das sobrancelhas, região malar (maçãs do
    rosto) plana, bochechas salientes, nariz com base achatada e extremidade
    larga, narinas antevertidas (abertas para cima), espaço entre o nariz e o lábio
    superior longo, boca grande, lábios grossos, maxilar superior proeminente e
    mandíbula pequena. Também podem ser evidentes: estrabismo ligeiro, fendas
    palpebrais pequenas, maloclusão dentária, inexistência de algumas peças
    dentárias, orelhas grandes, salientes, causando a impressão de estarem
    baixamente implantadas, e, quase sempre, a ilusão de sorriso. Com o passar
    dos anos, a face torna-se mais estreita, grosseira e assimétrica; as
    sobrancelhas e os lábios mais grossos; o pescoço mais longo e a base do nariz
    adquire uma morfologia convencional.
    b) O atraso de crescimento (da altura, do peso e do perímetro cefálico);
    c) O défice cognitivo, com expressões muito variáveis. Acompanhamos uma
    jovem adulta, sem défice cognitivo, que frequenta, actualmente, um curso
    médio sem dificuldades de maior. Esteve sempre integrada, na verdadeira
    acepção do termo, no sistema regular de ensino, onde estabeleceu sólidos
    laços de amizade com muitos dos seus colegas. O seu desenvolvimento
    linguístico é notável, diria mesmo excepcional, e só uma face peculiar a trai,
    levantando a injusta suspeita de que se está perante uma pessoa diferente.
    Curiosamente, no que é, sem dúvida, uma raridade, as crianças com síndrome
    de Williams apresentam, muitas vezes, uma expressão linguística (aquilo que
    falam) muito equivalente à compreensão linguística (aquilo que compreendem),
    ao contrário do que acontece na larga maioria das crianças com outras causas
    de défices cognitivos (nas crianças com trissomia 21, por exemplo,
    encontramos, geralmente, uma enorme discrepância entre o que conseguem
    compreender e o que conseguem falar). Uma psicóloga portuguesa, com
    grande experiência no trabalho com crianças com síndrome de Williams, a Dra.
    Teresa Condeço, propõe que na aprendizagem da leitura se privilegie a via
    fonológica (é, ao fim e ao cabo, a via tradicional), ao invés do que acontece
    com as crianças com trissomia 21, por exemplo, onde o suporte visual é,
    geralmente, imprescindível (aprendem a ler, sobretudo precocemente, pelo
    método global). Na nossa experiência, uma boa parte das crianças com
    síndrome de Williams aprende a ler antes dos 10 anos de idade. De acordo


                                                            www.diferencas.net
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    com os estudos mais recentes, uma parte significativa das pessoas com
    síndrome de Williams (não submetidas a uma segregação educativa e social no
    seu passado), virá a adquirir comportamentos convencionais e uma boa
    independência pessoal, emocional, profissional e social.
    d) A personalidade simpática, comunicativa, com uso excessivo de frases
    estereotipadas, circunstanciais, formais e cordiais, como se estivesse numa
    festa ou num "cocktail" ("cocktail party manner");
    e) A doença cardiovascular, já mencionada;
    f) A voz de tonalidade grave;
    g) A maloclusão dentária. Em alguns casos, os maxilares não se justapõem de
    uma forma correcta, podendo dar origem, entre outras, a mordidas anteriores
    (o maxilar inferior não se "encaixa" harmoniosamente no maxilar inferior) ou a
    mordidas cruzadas (o maxilar superior cruza-se com o maxilar inferior, ficando-
    se com a sensação que as crianças têm a "boca torta");
    h) A hiperacúsia (hipersensibilidade aos sons fortes) ;
    i) A hipercalcémia;
    j) A artropatia (doença das articulações), sobretudo no adolescente e adulto.

    O primeiro ano de vida é considerado difícil pelos pais, com muitas consultas
    médicas motivadas pelas dificuldades alimentares, pela má progressão do
    peso, pelas cólicas (persistentes até aos 7 meses), pelos vómitos e pelas otites
    de repetição. Os problemas iniciam-se, em média, aos 3 meses de idade, mas
    podem ser evidentes desde o nascimento.

    Nos anos seguintes, pode detectar-se um número crescente de anomalias
    associadas à síndrome de Williams, facto que obriga a um correcto
    acompanhamento destas crianças até à idade adulta (as alterações ósteo-
    articulares, do tracto urinário e algumas gastrenterológicas são, mais
    frequentemente, detectadas nesta idade).

    O mais importante de todos os problemas atrás referidos é, sem dúvida, o
    défice cognitivo, que, em grau variável, afecta a larga maioria das pessoas com
    síndrome de Williams.
    A intervenção na Deficiência assenta, basicamente, na prestação de cuidados
    médicos, educativos e sociais, numa perspectiva transdisciplinar e sempre com
    a participação efectiva da família. Os objectivos últimos de todos os Programas
    de Intervenção na Deficiência são a promoção do ajustamento e da autonomia
    pessoal e social, se possível através da profissionalização.
    A integração social dos seres humanos com Deficiência não é um processo
    natural, inato, mas antes um acto racional, cultural e civilizacional.
    Na Natureza, os animais feridos, incapacitados ou com deficiência são
    excluídos e abandonados. O mesmo tem acontecido, desde sempre, na
    espécie humana, embora com expressões muito variáveis, de acordo com a
    época e o local.

    Habitualmente, logo a seguir à revelação de que o filho tem uma deficiência, os
    pais atravessam uma fase de grande instabilidade emocional. Todavia, algum
    tempo depois, acabam por aceitar o facto, com resignação, e deixam, quase
    sempre, transparecer uma boa adaptação à nova realidade.



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    Mas a deficiência é um dos maiores dramas que se abatem sobre a espécie
    humana e os pais vão sendo confrontados, de forma progressiva, com
    inúmeros obstáculos, o principal dos quais relacionado com a exclusão social,
    muitas vezes veiculada e amplificada pelas estruturas sanitárias, educativas,
    profissionais, culturais, desportivas e outras.

    À medida que as crianças com deficiência crescem e se desenvolvem, o
    problema da exclusão social agrava-se e não é raro que elas próprias tenham
    consciência da segregação a que são votadas, pelo facto de o seu
    desempenho psicomotor ser inferior ou, como é preferível dizer-se, diferente do
    das outras crianças da mesma idade.

    A única solução para este problema reside na modificação das mentalidades,
    para que os cidadãos com deficiência, independentemente das suas
    capacidades e competências, sejam aceites na Família, na Rua, no Bairro, na
    Escola, no Emprego, na Associação Recreativa ou Desportiva e, de um modo
    geral, em toda a comunidade.
    Em 1993, o protocolo de intervenção para a síndrome de Williams foi
    apresentado, quer em público quer em privado, a diversos peritos nacionais e
    estrangeiros e mereceu os mais rasgados elogios. À semelhança do que
    aconteceu com a trissomia 21 (mongolismo ou síndrome de Down), foi criada
    uma associação, de carácter científico, cívico e social.




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Sindrome williams

  • 1. SÍNDROME DE WILLIAMS Miguel Palha – Pediatra do Desenvolvimento 1 Centro de Desenvolvimento Infantil DIFERENÇAS A Mónica, quando nasceu, esteve internada, mais de quinze dias, na Unidade de Recém-Nascidos de um Hospital dos arredores de Lisboa. Foi descoberta uma elevação do cálcio no sangue, sem se perceber a razão. Já em pequena era muito simpática. Falou um pouco tarde e tinha um ar muito franzino, com uma boca grande, as bochechas salientes e um queixo pequenino. Diziam que se parecia com um duende. Havia, na Mónica, qualquer coisa de diferente. Aos dois anos, o pediatra detectou um sopro no coração e o cardiologista que a observou identificou a causa de todas estas alterações: a síndrome de Williams. A Mónica tem dificuldades na área motora, sobretudo na coordenação das mãos. E a percepção visual também está comprometida, o que a faz ter dificuldades quando anda sobre superfícies instáveis. Já no que diz respeito à linguagem, o seu desempenho é razoável, com capacidades expressivas muito boas. Todavia, o seu discurso baseia-se, muitas vezes, em frases feitas, muito formais, nem sempre bem adaptadas às circunstâncias específicas de cada situação (os especialistas dizem que são perturbações semântico-pragmáticas). O Pediatra do Desenvolvimento que observou a Mónica na Malveira fez um diagnóstico de défice intelectual ligeiro e desenhou um programa de intervenção muito complexo. Hoje, a Mónica tem dez anos, está no quarto ano, lê e interpreta bem, e tem algumas dificuldades no cálculo. A Mónica quer ser Educadora. Os colegas adoram-na e, lá na escola, até foi eleita Miss Simpatia. Em 1958, o pediatra M. C. Joseph descreveu um caso de uma criança com "face de duende" associada a hipercalcémia infantil grave (cálcio no sangue bastante acima do que é normal para as crianças). Mas o síndrome de Williams deve o seu nome à descrição, pelo reputado pediatra J. C. P. Williams e pelos seus colaboradores, em 1961, de quatro casos clínicos em que se associava uma doença cardíaca congénita muito específica (a estenose aórtica supra-valvular, ou seja, grosseiramente, um aperto da artéria aorta logo na sua porção inicial), um défice cognitivo (impropriamente designado por atraso mental) e uma face peculiar. Na sequência de estudos efectuados muito recentemente, parece que na origem desta doença se poderá encontrar uma perturbação de um gene, localizado no cromossoma 7 (7q11.23). É uma doença genética de transmissão autossómica dominante (nestes casos, basta que haja uma alteração, mesmo que ínfima, num cromossoma, quer ele seja oriundo do pai ou da mãe, para que a doença se manifeste; ou, por outras palavras, um único gene mutante é suficiente para produzir a doença, ao contrário do que acontece nas doenças autossómicas recessivas em que dois genes devem estar alterados). No entanto, a grande maioria dos casos corresponde a uma mutação (alteração) de novo e não a uma transmissão da doença pelos pais. Teoricamente, uma pessoa com síndrome de Williams tem a probabilidade de transmitir a sua doença a 50% da sua prole. www.diferencas.net
  • 2. SÍNDROME DE WILLIAMS Miguel Palha – Pediatra do Desenvolvimento 2 Centro de Desenvolvimento Infantil DIFERENÇAS A sua prevalência (número de casos/número de habitantes) é estimada entre 1/10.000 e 1/50.000, sem preferências por qualquer dos sexos. A história natural do síndrome de Williams tem sido melhor esclarecida nos últimos anos, revelando-se uma doença progressiva e multi-orgânica (atinge vários órgãos); por outro lado, há uma tendência para se reduzir a importância atribuída, no pretérito, à hipercalcémia, frequentemente ausente do quadro clínico. Estão também melhor estudadas as perturbações do Desenvolvimento Psicomotor, mormente na área comportamental e emocional, muito específicas desta doença, e que condicionam, pelo menos em parte, algumas das dificuldades na integração social, sobretudo na idade adulta. As características do síndrome de Williams mais constantes e que servem de base ao diagnóstico são: a) A face peculiar, dita de "duende"; a face típica só está estabelecida, em média, pelos 18 meses e é definida, essencialmente, por: testa larga, região peri-orbitária (à volta dos ossos onde estão alojados os olhos) proeminente, espessamento da zona mediana das sobrancelhas, região malar (maçãs do rosto) plana, bochechas salientes, nariz com base achatada e extremidade larga, narinas antevertidas (abertas para cima), espaço entre o nariz e o lábio superior longo, boca grande, lábios grossos, maxilar superior proeminente e mandíbula pequena. Também podem ser evidentes: estrabismo ligeiro, fendas palpebrais pequenas, maloclusão dentária, inexistência de algumas peças dentárias, orelhas grandes, salientes, causando a impressão de estarem baixamente implantadas, e, quase sempre, a ilusão de sorriso. Com o passar dos anos, a face torna-se mais estreita, grosseira e assimétrica; as sobrancelhas e os lábios mais grossos; o pescoço mais longo e a base do nariz adquire uma morfologia convencional. b) O atraso de crescimento (da altura, do peso e do perímetro cefálico); c) O défice cognitivo, com expressões muito variáveis. Acompanhamos uma jovem adulta, sem défice cognitivo, que frequenta, actualmente, um curso médio sem dificuldades de maior. Esteve sempre integrada, na verdadeira acepção do termo, no sistema regular de ensino, onde estabeleceu sólidos laços de amizade com muitos dos seus colegas. O seu desenvolvimento linguístico é notável, diria mesmo excepcional, e só uma face peculiar a trai, levantando a injusta suspeita de que se está perante uma pessoa diferente. Curiosamente, no que é, sem dúvida, uma raridade, as crianças com síndrome de Williams apresentam, muitas vezes, uma expressão linguística (aquilo que falam) muito equivalente à compreensão linguística (aquilo que compreendem), ao contrário do que acontece na larga maioria das crianças com outras causas de défices cognitivos (nas crianças com trissomia 21, por exemplo, encontramos, geralmente, uma enorme discrepância entre o que conseguem compreender e o que conseguem falar). Uma psicóloga portuguesa, com grande experiência no trabalho com crianças com síndrome de Williams, a Dra. Teresa Condeço, propõe que na aprendizagem da leitura se privilegie a via fonológica (é, ao fim e ao cabo, a via tradicional), ao invés do que acontece com as crianças com trissomia 21, por exemplo, onde o suporte visual é, geralmente, imprescindível (aprendem a ler, sobretudo precocemente, pelo método global). Na nossa experiência, uma boa parte das crianças com síndrome de Williams aprende a ler antes dos 10 anos de idade. De acordo www.diferencas.net
  • 3. SÍNDROME DE WILLIAMS Miguel Palha – Pediatra do Desenvolvimento 3 Centro de Desenvolvimento Infantil DIFERENÇAS com os estudos mais recentes, uma parte significativa das pessoas com síndrome de Williams (não submetidas a uma segregação educativa e social no seu passado), virá a adquirir comportamentos convencionais e uma boa independência pessoal, emocional, profissional e social. d) A personalidade simpática, comunicativa, com uso excessivo de frases estereotipadas, circunstanciais, formais e cordiais, como se estivesse numa festa ou num "cocktail" ("cocktail party manner"); e) A doença cardiovascular, já mencionada; f) A voz de tonalidade grave; g) A maloclusão dentária. Em alguns casos, os maxilares não se justapõem de uma forma correcta, podendo dar origem, entre outras, a mordidas anteriores (o maxilar inferior não se "encaixa" harmoniosamente no maxilar inferior) ou a mordidas cruzadas (o maxilar superior cruza-se com o maxilar inferior, ficando- se com a sensação que as crianças têm a "boca torta"); h) A hiperacúsia (hipersensibilidade aos sons fortes) ; i) A hipercalcémia; j) A artropatia (doença das articulações), sobretudo no adolescente e adulto. O primeiro ano de vida é considerado difícil pelos pais, com muitas consultas médicas motivadas pelas dificuldades alimentares, pela má progressão do peso, pelas cólicas (persistentes até aos 7 meses), pelos vómitos e pelas otites de repetição. Os problemas iniciam-se, em média, aos 3 meses de idade, mas podem ser evidentes desde o nascimento. Nos anos seguintes, pode detectar-se um número crescente de anomalias associadas à síndrome de Williams, facto que obriga a um correcto acompanhamento destas crianças até à idade adulta (as alterações ósteo- articulares, do tracto urinário e algumas gastrenterológicas são, mais frequentemente, detectadas nesta idade). O mais importante de todos os problemas atrás referidos é, sem dúvida, o défice cognitivo, que, em grau variável, afecta a larga maioria das pessoas com síndrome de Williams. A intervenção na Deficiência assenta, basicamente, na prestação de cuidados médicos, educativos e sociais, numa perspectiva transdisciplinar e sempre com a participação efectiva da família. Os objectivos últimos de todos os Programas de Intervenção na Deficiência são a promoção do ajustamento e da autonomia pessoal e social, se possível através da profissionalização. A integração social dos seres humanos com Deficiência não é um processo natural, inato, mas antes um acto racional, cultural e civilizacional. Na Natureza, os animais feridos, incapacitados ou com deficiência são excluídos e abandonados. O mesmo tem acontecido, desde sempre, na espécie humana, embora com expressões muito variáveis, de acordo com a época e o local. Habitualmente, logo a seguir à revelação de que o filho tem uma deficiência, os pais atravessam uma fase de grande instabilidade emocional. Todavia, algum tempo depois, acabam por aceitar o facto, com resignação, e deixam, quase sempre, transparecer uma boa adaptação à nova realidade. www.diferencas.net
  • 4. SÍNDROME DE WILLIAMS Miguel Palha – Pediatra do Desenvolvimento 4 Centro de Desenvolvimento Infantil DIFERENÇAS Mas a deficiência é um dos maiores dramas que se abatem sobre a espécie humana e os pais vão sendo confrontados, de forma progressiva, com inúmeros obstáculos, o principal dos quais relacionado com a exclusão social, muitas vezes veiculada e amplificada pelas estruturas sanitárias, educativas, profissionais, culturais, desportivas e outras. À medida que as crianças com deficiência crescem e se desenvolvem, o problema da exclusão social agrava-se e não é raro que elas próprias tenham consciência da segregação a que são votadas, pelo facto de o seu desempenho psicomotor ser inferior ou, como é preferível dizer-se, diferente do das outras crianças da mesma idade. A única solução para este problema reside na modificação das mentalidades, para que os cidadãos com deficiência, independentemente das suas capacidades e competências, sejam aceites na Família, na Rua, no Bairro, na Escola, no Emprego, na Associação Recreativa ou Desportiva e, de um modo geral, em toda a comunidade. Em 1993, o protocolo de intervenção para a síndrome de Williams foi apresentado, quer em público quer em privado, a diversos peritos nacionais e estrangeiros e mereceu os mais rasgados elogios. À semelhança do que aconteceu com a trissomia 21 (mongolismo ou síndrome de Down), foi criada uma associação, de carácter científico, cívico e social. www.diferencas.net